terça-feira, 20 de maio de 2008

UM OLHO SOBRE

NUNO MARKL VAI À ESCOLA
por Dinis Lourenço


Após várias tentativas falhadas, lá consegui encontrar-me com o humorista Nuno Markl, na sua casa, em Benfica, para conversarmos sobre os seus tempos de escola. Fui efusivamente recebido por Nuno Markl e por Shariq, um dos seus cães, com latidos e arfares (o cão, claro…)! Nesta conversa, descobri que o liceu pode ser um autêntico Inferno, mas que apesar disso a vida nos poderá correr benzito! Sigam o exemplo de Nuno Markl e sejam os primeiros a rir de si próprios!



O Zarolho: Que tipo de aluno é que eras?
Nuno Markl:
Era um aluno médio. Era bom na parte de Letras e era deplorável na parte de ciências, e portanto acabava sempre no meio. Havia ainda outra coisa que me corria sempre mal que eram os Trabalhos Manuais ou Trabalhos Oficinais (as chamadas Educações Tecnológicas!). Eu esforçava-me por criar coisas giras, tipo mesas e cadeiras mas aquilo desfazia-se tudo, fosse o que fosse! A única coisa que eu sabia fazer bem era coisas em barro e era sempre, tipo, umas bostas, que eu depois dizia: “Ora isto…isto é um monstro!”. E pronto, Trabalhos Manuais – não ia muito à bola com isso, e, obviamente, Ginástica…lá está (risos), que completa este bonito quadro! Mas depois feitas as contas, equilibravam-se as coisas e era um aluno médio de 3.

O Zarolho: E disciplinas favoritas?
Nuno Markl:
Português, adorava, sobretudo a parte de escrever, não tanto a parte de ler o que outros fizeram, isso vim a descobrir mais tarde, mas na altura era escrever. Epá, ficava feliz quando era para escrever redacções, criar histórias…

OZ: Ainda tens algumas dessas histórias guardadas?
NM:
Não, perdi-lhes o rasto. A minha mãe ainda deve ter algumas coisas, em casa dela, mas eu não faço ideia onde essas coisas possam estar. Gostava muito de Inglês, também.

OZ: E disciplinas odiadas?
NM:
Odiava Matemática, Física – Químicas. Penso que cheguei a ter 0 num ponto de Física (risos)! O quão mau eu era! Naquela altura eu questionava-me: “Mas porquê!?! Eu não quero fazer nada de Físico-Químicas…Eu quero é fazer bonecos!” Portanto a pior parte era essa, das Ciências…o horror!

OZ: E que professores te ficaram na memória?
NM:
Ora professores que tenham ficado na memória … tinha uma professora de Português do 8º ano que me abriu os olhos para a leitura de algumas coisas que vieram a ser muito importantes na minha vida, como o Mário Henrique Leiria e os “Contos do Gin Tónico”, que ainda hoje é um livro de culto absoluto para mim. Em termos de boas recordações, mas noutro sentido, lembro-me de uma professora minha de História, penso que do 10º ano, que via mal e usava um daqueles óculos “fundo de garrafa” com lentes grossíssimas, e expulsava alunos da sua própria turma, que queriam entrar para assistir à aula e ela dizia: “Vocês não são de cá!” e eles diziam: “Somos sim, s’tora, somos!”, “Não são! Rua!”. E eles ficavam com uma hora livre, sem falta…E lembro-me também dum professor de filosofia do 12º ano, o mítico José Aredos, que tinha o Dom da Palavra e as aulas dele eram um misto de “stand up” e “O Clube dos Poetas Mortos”!

OZ: E o que é que querias ser quando eras mais petiz?
NM:
Passei pela fase normal de querer ser médico ou bombeiro, mas era mais pela moda. Toda a gente queria ser bombeiro ou médico mas depois descobri que eu queria mesmo era fazer desenhos e só mais tarde descobri a rádio, quando andava no 12º ano. Havia rádios pirata em todo o país, incluindo uma nas traseiras da casa da minha avó e portanto fui para lá. Descurei os estudos, o que é feio, e depois não tinha média para entrar no curso de Comunicação Social e tive de entrar para o CENJOR (Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas), ou seja, tive de dar uma volta maior para chegar onde cheguei.

OZ: Como é que era o teu relacionamento com os teus colegas?
NM:
Eu dava-me particularmente bem, obviamente, com os tipos que eram vítimas, caixas-de-óculos, e com alguns marrões, embora eu não fosse muito marrão, … e dava-me mal com os tipos que eram pilares da auto-confiança e com aqueles que pareciam mais velhos apesar de, possivelmente, terem a mesma idade que nós e que nos davam porrada…e calduços…e coisas assim, e que vim a descobrir, mais tarde, que acabavam sempre, por ir para profissões e vidas assim um bocadinho…deploráveis, enquanto que os tipos que sofriam na escola, lá foram conseguindo fazer assim umas coisas mais giras. Portanto, há assim uma espécie de justiça poética.




OZ: Já te questionaste sobre o que é que se esconderia por detrás da porta da Sala dos Professores?
NM: Sim. Conforme o meu estado de espírito, eu imaginava coisas diferentes sobre a Sala dos Professores. Se eu estivesse muito irritado com os professores, eu achava que aquilo era uma Masmorra do Mal, onde eles se reuniam tipo seita e planeavam coisas tenebrosas e que usavam golas em bico à Ming, o Impiedoso, e que (risos) tinham um pequeno império do mal! Nos outros dias, eu achava interessante imaginar que eles eram pessoas como nós e que faziam coisas tão normais como ir à casa de banho (risos) ou comer! Convém deixar aqui um conselho para a juventude que é: quando estiverem chateados com as autoridades (políticos, polícias ou professores), imaginem-nos na casa de banho, sentados na sanita, que é a situação mais vulnerável em que nos podemos encontrar e que prova que no fundo somos todos iguais.

OZ: Na tua escola também havia aquilo de chamar “s’tôres” aos professores?
NM:
Havia. Eu acho que isso foi uma coisa que apareceu nos anos 80 e é uma daquelas coisas que se mantém durante décadas nesse universo tão fechado que é o da escola.

OZ: É que a partir do 5º ano passamos a chamar “stôr” e depois, na Faculdade, volta a ser o Professor. Porque é que será?
NM: Torna-se mais digno, penso eu. As pessoas deixam a Escola Secundária, entram para a Faculdade e pensam: “Isto da faculdade é outra coisa! O “stôr” já não pega!” Se pensarmos, por exemplo, no Marcelo Rebelo de Sousa, que dá aulas numa Faculdade. Ele não tem cara de “stôr”! Cara de “stôr” tinha o meu professor de Trabalhos Oficinais.

OZ: E agora em bom português, será “Continas” ou “Contínuas”?
NM:
É claramente “contínuas”, porque elas estão lá continuamente (risos), penso eu! Lembro-me de quando andava na Escola Secundária D. Pedro V havia um contínuo que era o senhor Américo que tinha um bigode e um ar muito sinistro e que nos roubava as bolas. Eu acho que há um senhor Américo em todas as escolas. Eu acho mesmo que eles contratam pessoas para serem “senhores Américos”, ou seja, pessoas sinistras que roubam as bolas aos miúdos!

OZ: Porque será que as refeições das cantinas são tão odiadas pelos jovens?
NM:
Porque tem de ser! Nenhum estudante no seu perfeito juízo vai pela escola a dizer: “Mas que bem que se come aqui!”. Não pode porque leva, obviamente que leva! Não se pode dizer bem de nada, relativamente à escola! Nós comíamos uns cachorros quentes, que eram muito bons (mas que faziam muito mal, pois eram fritos em óleos de óleos!), mas ninguém dizia que era bom! No fundo é isto: as pessoas gostam, mas ninguém diz que gosta. Apesar de se comer muito mal em algumas escolas.
OZ: Mas na nossa até se come bem! Comam na Cantina da escola!
(Risos)

OZ: E como é que era o toque na tua escola?
NM:
Era uma campainha normal, ridícula, do género “Trriiim”. E havia o segundo toque, que era maravilhoso! Havia aquele stress de ter que chegar antes do segundo toque, mas quando estávamos lá à porta, dava o segundo toque e o professor não aparecia era a alegria! Lembro-me que havia sempre um tipo que dizia: “Ele vem aí! Ele vem aí!” e toda a gente respondia: “Não interessa! Não interessa! Vamos embora.”

OZ: Será que há espaço para o humor na escola?
NM:
Acho que sim. Ainda por cima depois do “boom” que houve de há uns anos para cá na Comédia portuguesa. Acho que, por exemplo, nas festas de Natal, de Carnaval onde se fazem sempre uns teatros e uns números de dança, porque não fazer também espectáculos de Stand Up Comedy? Claro que o meio da escola é mais cruel, ou seja, se vais fazer um mau Stand Up num lugar público, o mais que te pode acontecer é as pessoas não se rirem e virarem costas. Agora, na escola pode acontecer atirarem-te com coisas (risos)! A situação pode-se tornar mais violenta (risos)! Mas acho que pode ser interessante esse tipo de experiências.

OZ: Fala-nos de momentos muito vergonhosos na tua vida escolar.
NM:
Foram tantos (risos)! Mas lembro-me de um incidente que contribuiu para que toda a minha vida escolar fosse desastrosa em termos de lidar com os meus colegas e que foi, na primária, um dia, ter-me esquecido dos calções de ginástica em casa e ter decidido que se calhar era boa ideia fazer ginástica em cuecas (risos)! Eu aí decretei que todo o meu rumo escolar ia ser algo desastroso porque um dia decidi levar cuecas para substituir os calções de ginástica!

OZ: E agora para terminar, de que é que tens mais saudades da escola?
NM:
Tenho saudades da vida descontraída que levava, apesar de não parecer na altura, com os testes e os trabalhos de casa. Mas levava a vida com mais simplicidade do que agora, e é disso que eu tenho saudades. Também tenho saudades de alguma humilhação por que passei, porque bem vistas as coisas, até tinha piada!


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Mas que raio é que vem a ser este homem?!

Nuno Markl nasceu em Lisboa no dia 21 de Julho de 1971. Colaborou como argumentista em vários projectos, tais como Herman Zap, Herman Enciclopédia, Paraíso Filmes, Programa da Maria, entre outros, e agora também escreve o Hora H. Celebrizou-se com a sua rubrica na rádio Comercial “O Homem que Mordeu o Cão”…para o caso de ainda não estarem a ver quem é, Nuno Markl é o da Operação Triunfo que não é o Zé da Ponte…já estão a ver? Adiante, é fã de filmes e séries e tem uma sala de cinema em casa! Reza a lenda que cheira muito mal dos pés…mas eu não irei confirmar! É um dos melhores humoristas portugueses de sempre! Ok! Eu sou suspeito…